quarta-feira, 16 de setembro de 2009

É PRECISO SABER VIVER... AMAZÔNIA PARA SEMPRE...

Usinas na Amazônia: onde está a verdade?

Data: 01/09/2009
Autor: Lúcio Flávio Pinto

http://www.amazonia.org.br/opiniao/print.cfm?id=325995

Para o seu estilo mais recente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma grande concessão aos chamados movimentos sociais: recebeu em Brasília, no dia 22, integrantes de entidades que combatem a implantação da hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará. A obra é o maior dos investimentos incluídos no Programa de Aceleração do Crescimento, produto da associação do presidente com sua candidata in pectori à presidência da república na eleição do próximo ano, a ministra Dilma Rousseff, a “mãe do PAC”.

Envolvido pela intensa polêmica em torno de outras duas obras-primas do PAC, as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, em Rondônia, o presidente reagiu mal humorado às “impertinências” do Ibama, que não queria conceder o licenciamento ambiental das obras. Lula pediu para tirarem os bagres do seu peito, numa tentativa de transformar em piada um dos pontos da controvérsia: o destino dos peixes, com ênfase no mais importante deles, depois do represamento do rio.

Desta vez, o mandatário chamou os bagres simbólicos ao seu redil na capital federal. A audiência com integrantes da igreja, do Ministério Público Federal e da comunidade acadêmica durou uma longa hora, durante a qual Lula ouviu com atenção e pareceu impressionado pelos argumentos técnicos dos que contestam a viabilidade - econômica e ambiental - da grande usina de energia. Mas nada disse, muito menos prometeu ou agendou qualquer coisa.

Segundo os cidadãos que participaram do encontro (além de representantes de comunidades ameaçadas pela obra, o bispo da prelazia do Xingu e presidente do Conselho Indigenista Missionário, dom Erwin Kräutler; o professor do Instituto de Energia e Eletrotécnica da Universidade de São Paulo, Célio Bermann, e os procuradores da República e do Ministério Público Federal do Pará Felício Pontes e Rodrigo Costa e Silva), os dirigentes da Eletrobrás e da Eletronorte ouviram tudo sem opor resistência aos argumentos dos críticos do projeto. O silêncio podia ser interpretado como admissão da contestação - ou como manobra tática. Mas nada tem a ver com a enormidade das discrepâncias entre o discurso oficial e a argumentação dos opositores de Belo Monte.

A versão oficial é que serão investidos “apenas” sete bilhões de reais para produzir 11,3 mil megawatts, quase três vezes a potência de Jirau, um terço a mais do que Tucuruí e só um pouco abaixo de Itaipu, a maior hidrelétrica, com o inconveniente (que agora o consumidor sentirá no bolso) de ser dividida ao meio com o Paraguai. Tudo isso com apenas um represamento no Xingu e não mais com a sucessão de barragens prevista originalmente para a bacia. Os críticos sustentam que o custo real está entre R$ 25/30 bilhões e que a energia firme será apenas de um terço da potência nominal. Com o agravante de que durante três a quatro meses a geração será zero, por falta de água suficiente durante o período de seca do Xingu para movimentar uma única das 20 máquinas da casa de força.

Sem o contraponto das duas empresas estatais de energia presentes ao ato, Lula mostrou-se impressionado com as informações que ouviu. “Acho que o presidente ficou sensibilizado com os dados técnicos apresentados e com os relatos sobre os impactos da obra para as comunidades ribeirinhas e indígenas”, disse dom Erwin. “Pela primeira vez nós conseguimos colocar nossa angústia e indignação para o presidente. Também ficou claro para os responsáveis pela área de energia que nós nos preparamos muito bem, que entendemos do assunto”, relatou o bispo.

O procurador federal Rodrigo Timóteo foi mais comedido: observou que nenhuma medida concreta foi adotada. Houve apenas a abertura de um canal de diálogo entre as partes opostas no enredo. O procurador sentiu certa frustração por sair da audiência “sem uma data ou posicionamento mais concreto”. Reconheceu, porém, a “abertura”. Ela poderá ser apenas um detalhe formal no histórico do projeto se a audiência não for seguida por uma discussão técnica, em uma instância autorizada, sobre a discrepância de dados quantitativos em torno de Belo Monte.

O Ministério Público poderia tomar a iniciativa, referendado pelo chefe do poder executivo, que é o licenciador da obra, de reunir os dois lados numa audiência pública e colocar as divergências em confronto em busca da verdade. Uma obra desse porte não pode permanecer suscetível a diferenças do porte das que têm aparecido. As informações estão desencontradas por má-fé ou incompetência. Como há bilhões de reais e milhares de megawatts de energia a mais ou a menos, é preciso pôr tudo em pratos limpos para que se decida servir ou não esse banquete, feito à base de dinheiro público, para atender (ou camuflar) interesse público.

O confronto elucidará quem está mesmo preparado. E, além disso, dizendo a verdade. Mas sob um aparato institucional com efetivo poder para dar conseqüência legal aos atos, não permitindo que eles se tornem apenas um lance de relações públicas, ou metáfora de mau gosto.

O MP poderia transformar essa instância numa câmara técnica permanente de avaliação dos projetos hidrelétricos na Amazônia, se possível com a missão de não permitir que a capacidade de iniciativa se concentre no poder executivo. A câmara estabeleceria uma agenda imediata para discutir as mais recentes iniciativas do governo nesse setor. Um exemplo é o projeto da plataforma flutuante concebida pela Eletronorte para o complexo do Tapajós, que prevê cinco hidrelétricas na bacia. Adaptada das estruturas instaladas no mar para a produção de petróleo e gás, essa plataforma preveniria a migração para áreas pioneiras em função da implantação de novos projetos. Mas a viabilidade dessa idéia ainda não foi submetida a teste. Como também não foram discutidas as turbinas bulbo previstas para as duas hidrelétricas do Madeira. São tecnologias que precisam ser mais bem conhecidas para que decisões graves, por sua amplitude e custo, não sejam tomadas quase às escuras, ou como privilégio de um pequeno grupo de iluminados.

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