quarta-feira, 1 de julho de 2009

CULTURA E ARTE CONSTROEM A RESISTÊNCIA NO BAIXO MADEIRA...



Festejo de São Pedro em Nazaré


Por Márcia Nunes Maciel (mestranda em Sociedade e Cultura na Amazônia - UFAM) e
Maria Cristiane Pereira de Souza (mestra em Geografia pela UNIR).
membras colaboradoras do IMV- Instituto Madeira Vivo.

No dia 24 de Junho de 2009, no fim da tarde, descemos o Madeira até Nazaré. Nosso objetivo era registrar o festejo de São Pedro na passagem da noite de sábado para domingo. Após seis horas de viagem, levadas pelas águas do Madeira, iluminado pela lua que nos acompanhava, chegamos ao nosso destino, era 001:00 hora da manhã, desembarcamos no local em que estava acontecendo o arraial. A comunidade sem saber quem éramos nos recebeu atenciosamente. Perguntamos por Timaia, por ser a nossa referência e o coordenador do projeto de retomada cultural da comunidade, quem nos convidou para prestigiar o referido festejo. Logo ele nos foi apontado. Fomos recebidas por ele e após ter nos colocado a par da programação da noite de sábado para domingo nos encaminhou para a simpática pensão “selva”.
Pela manhã, quando saímos da pensão, localizada próximo ao centro da comunidade, a via acimentada que a atravessa de uma ponta a outra, estava movimentada por pedestres que transitavam; uns empenhados para a preparação da programação cultural da noite, outros passeando ou transportando refrigerantes e produtos em carrinhos de mão para abastecer as barracas do arraial. Fomos visitar uma moradora antiga da comunidade, D. Maria Maciel, que nos recebeu com um caloroso café e roscas que nos lembra dos tempos antigos. Passamos a manhã com ela conversando. Ela nos contou da sua tristeza pela perda de seu irmão Manoel Maciel Nunes, reconhecido por ela e por toda comunidade por ser o fundador e motivador dos festejos da localidade.
Voltando da casa de D. Maria, fomos ao centro da comunidade, onde fica a capela e toda a estrutura montada para o festejo, o palco e a arena para as apresentações culturais e as coberturas de palha onde os participantes dos festejos atam suas redes para colocarem seus filhos pequenos para dormir. Ao chegar a casa de dança encontramos com Taiguara e Teimar, irmãos de Timaia, todos filhos de Manoel Maciel, que faleceu ano passado no mês de Outubro, após uma vida inteira dedicada à comunidade que ele tanto amou, Nazaré.
Fomos com Taiguara e Teimar até a casa de Timaia, onde presenciamos os preparativos para as apresentações culturais. Enquanto estávamos lá conversando, percebemos que hora ou outra chegava uma pessoa da comunidade para visitar Timaia ou pedir a ele para colocar um enfeite em seus figurinos. O tempo todo, percebíamos que os mais velhos da comunidade estavam de longe e de perto cuidando e apoiando Timaia. Todos os envolvidos no festejo o tinham como referência e demostravam a preocupação em encorajá-lo a realizar o festejo como era feito por seu pai.
Em Nazaré a comunidade atualiza a memória do festejo de São Pedro por meio da tradição oral que se remete a história do lugar Uruapiara – AM, de onde vieram os mais velhos. A novena, a ladainha, o leilão, a dança do seringador e a derrubada do mastro são retomados por meio da reconstrução da memória dos festejos realizados no Uruapiara. No conjunto do projeto de reafirmação identitária construída na fusão da cultura afro e indígena estão presentes a brincadeira do boi, a dança do carimbó e a quadrilha tradicional como elemento representativo da colonização portuguesa amalgamada no imaginário cultural da Amazônia. Não poderia deixar de estar presente nesse momento de homenagem ao fundador desse projeto cultural que envolve o grupo musical Minhas Raízes e a velha guarda dos antigos cantores que ligam a tradição dos mais velhos com os mais novos.
Para entendermos um pouco a história dos moradores antigos de Nazaré e a retomada identitária da comunidade, apresentamos a narrativa contada por Manoel, que faz parte do Cd “ Minhas Raízes – em cada som uma história”:

Um dia recém chegados, passeando às praias de barco, encontraram um Uruá muito grande, maior do que todos os Uruás vistos naquele lago. Eles consideraram então ser aquele o maior peara dos Uruas1 daquele lago, por isso, deram-lhe então o nome de Uruapeara.
Às margens desse lago, habitavam a tribo dos índios Parintintim. Uma tribo um tanto guerreira. Sua maior pescaria era no grande rio Ipixuna, afluente do lago do Uruapeara. Às margens do outro rio vizinho do rio Ipixuna habitava a tribo dos índios Pirahã, que eram completamente inimigas.
Para essa festa acontecer, escolhiam uma moça índia da tribo vitoriosa, para fazer o papel de vaqueira. Era escolhido também um índio jovem que representava a tribo derrotada, ele fazia o papel de boi. Na hora da festa a tribo toda se reunia em círculo para cantar e dançar. Um índio meio coroa jogava versos enquanto a tribo toda fazia o refrão “Arriba, seringandor!”. Durante a dança a índia vaqueira tentava lançar o índio-boi e jogá-lo no meio do círculo. O moço-boi tentava escapar, mas durante algum tempo, já cansado, era vencido e atirado ao chão. Os instrumentos utilizados na dança do seringandor eram o gambá, o xeque-xeque e o reco-reco. Quando a dança passou a ser a diversão do povo civilizado acrescentaram o pandeiro na lista dos instrumentos.
E até hoje essa festa acontece no Lago do Uruapiara. Muita apreciada pela gente daquele lugar e admirada pelas pessoas que assistem suas festas. A festa de São Sebastião e o Divino Espírito Santo são as mais antigas e tradicionais fundada pelos portugueses, ainda no século passado. Estas festas acontecem nos dias 20 de janeiro e no domingo de Pentecoste no lugar de antiga povoação, hoje Centenário. As famílias tradicionais daquele lugar são Almeida, Nunes, Castro, Lobato, Pinto e Ferreira.

Por meio dessa narrativa, Manoel atualiza uma memória e uma história de seus descendentes e a recria junto com a comunidade de Nazaré. Na passagem de sábado para domingo, em que tivemos a oportunidade de presenciar uma parte do festejo de São Pedro (que começou no dia 23 com a novena, antes de chegarmos e se estendeu até o dia 25 depois do dia de nossa partida, quando, segundo informações dos participantes do festejo, iria ocorrer a visita do padre para batizar as crianças e a festa da ramada, momento em que é feita a derrubada do mastro. O mastro é enfeitado com produtos cultivados pela comunidade, como, banana, côco, entre outros. No topo do mastro é colocado o estandarte de São Pedro. Segundo a explicação de uma moradora da comunidade, no último dia do festejo é feita a derrubada do mastro e retirado o estandarte de São Pedro, esse momento, simboliza uma forma de pedir ao padroeiro que o próximo ano seja farto. A visita do padre nos festejos para batizar as crianças, é um costume que vem desde a época do seringal e que se tornou tradição em várias comunidades que vivem às margens do Rio Madeira.
Nós do IMV – Instituto Madeira Vivo que tivemos a oportunidade de presenciar esse momento em Nazaré, de força identitária, ficamos felizes por perceber que a comunidade está lutando para manter sua cultura, apesar das pressões dos projetos desenvolvimentistas em forte ascensão em Rondônia. Mas, ao mesmo tempo, ficamos tristes por saber que outras comunidades localizadas no Alto Madeira, na região do canteiro de obras do complexo hidrelétrico (comunidades Trata-Sério, Jatuarana, Macacos, Teotônio), terão que desocupar os lugares onde vivem de agosto de 2009 em diante.
O fortalecimento cultural e identitário de Nazaré, simboliza para nós, que compartilhamos da luta pela vida às margens do Madeira, uma maneira de resistência. Mostram que querem manter sua tradição cultural, seus tempos e modos específicos de vida. Enquanto Nazaré resiste culturalmente aos novos rumos progressistas, reconstruindo constantemente sua cultura, sem abrir mão de educação com qualidade, saúde e lazer, as comunidades do Alto Madeira são levadas a aceitar as propostas de indenizações feitas pelas empresas construtoras das barragens no rio Madeira, que não consideram sua história e seus valores culturais. A elas não foi dada nenhuma escolha, a não ser a de abrir mão de seus lugares onde construíram sentidos culturais e simbólicos para suas vidas.
No Alto e no Baixo Madeira existem vidas, riquezas culturais, pessoas lutadoras, que plantam, colhem, pescam, sonham, festejam, sofrem e resistem. A imagem construída pela sociedade capitalista de que elas são pobres, atrasadas, empecilhos para o desenvolvimento é equivocada. Esses lugares de cultura viva, querem desenvolvimento que possibilite qualidade de vida, não a destruição ambiental e cultural, morte dos peixes, desagregação das comunidades e crescimento desordenado. Não temos o direito de fechar os olhos para isso.
Apresentamos dessa maneira, essa memória e essa história por meio das imagens que registramos durante nossa estada no local.

vejam breve no site: www.riomadeiravivo.org, texto completo com fotos...

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